Pedro desceu do carro e achou no para-choque a metáfora para como sentia seu coração: amassado e sangrando. Olhando na avenida Ezequiel, no caminho de onde veio, encontrou, a uma derrapada atrás, o magrelo suicida.
— Pronto — gritou —, esse é o pior dia da minha vida.— Não sei muito da vida do Pedro, mas acho que ele estava certo.
Independente de acreditar em sorte ou destino. Às vezes, nós recebemos sinais. Para mim, só alguém muito idiota ignoraria todos os sinais que Pedro recebeu. Mas, também, nunca fui idiota de subestimar a idiotice dele.
Há um tempo atrás, há setenta punhetas atrás, ele convidou Gabriela, que tinha cabelo descolorido e vários anos a menos que ele, para uma festa numa casa com piscina. A alguns minutos da festa começar, depois do banho, de vestir as roupas de sair e de calçar o melhor tênis, pisou no cocô do gordo Ramon quando ia à porta e parou. Não levantou o pé. Já sabia do estrago pelo cheiro e pela resistência que sentiu no pisar. Pedro se virou como um drone antigo de combate: lento e mortal, e encarou Ramon que o olhava do sofá. Largou o pé contaminado do sapato no local do incidente e retornou ao quarto, sob vaias e miados do Ramon, para pegar um outro par de tênis. Esse foi o primeiro sinal, Pedro!
No final da festa, o celular de Pedro já estava incandescente de tanto vibrar com mensagens e ligações da sua namorada… digo, ex-namorada. O termo variava na mente de Pedro, que não conseguia desligar o celular, pois estava com as duas mãos ocupadas dando uns amassos em Gabriela num canto abandonado da casa.
As punhetas passaram, o tempo passou e uma gostosa passou por ele com as compras numa cestinha. Ela parecia ser alguns anos mais velha que ele. Pedro ainda não tinha achado a seção das torneiras para filtro — precisava de uma nova por causa de um sinal; que ele também deixou passar —, mas não deixou a gostosa passar. Deu a compra por encerrada e seguiu o micro short jeans até a fila dos caixas. Não ficou admirado de sua paixão platônica comprar tantas frutas. Ela parecia mesmo ser saudável. Na ânsia de seguir a desconhecida, errou duas vezes a senha do cartão e terminou pagando em dinheiro. Encontrou a dona das uvas e maçãs no estacionamento do supermercado, e a convidou para sair no fim de semana que se aproximava. A mulher sorriu, concordou e trocou seu número pelo do Pedro, que foi pra casa sorrindo ao léu.
Guardou as compras. Com sede, quase se arrependeu de não ter insistido na busca da seção das torneiras para filtro; quase. Decidiu tomar água da torneira cujo cano vinha da rua. Com a sede saciada, Pedro leu a mensagem de Gabriela, que o convidava para jantar naquela noite, com ela e com a família dela. Os poros do corpo dele começaram a chorar, manchando axilas, costas e pescoço da camisa cinza. Pedro não conhecia os pais de Gabriela, só sabia que eram divorciados por causa de uma traição não perdoada pela mãe. Não via motivos para conhecer mais que isso. Pedro e Gabriela estavam se dando bem… digo, mais ou menos bem. O termo variava na mente de Pedro. Decidiu ir ao jantar, gostava de Gabriela. Gostaria ainda mais se eles se gostassem de forma mais íntima em breve, assim gostava de pensar.
Se pensar bem e for um pouco reducionista, é possível traçar paralelo de situações da sua vida com qualquer coisa. Pedro, por exemplo, as vezes ia sair de casa e pisava no cocô de Ramon. O cocô não era do Pedro, mas o Ramon era. Pedro se conformava pensando não ter controle sobre o cocô, mas nunca tentara ter controle sobre Ramon.
De forma rápida, pela avenida Ezequiel, chegou na casa de Gabriela. Desceu do carro, bateu à porta da frente e falhou ao tentar virar gás e ser levado pelo vento ao ver que a gostosa saudável do short jeans abriu a porta. Logo atrás dela estava Gabriela, que tomou a frente e disse:
— Oi! Mãe, esse é o Pedro! — anúncio que a mãe recebeu com um arquear de sobrancelha.
Mesmo que interrogassem Pedro de maneira medieval, não conseguiriam fazê-lo lembrar de como foi o jantar. Ao entrar em seu carro, com os olhos mais abertos do que o que era saudável para a vista, notou que ainda segurava o cacho de uva que havia sido oferecido a ele de sobremesa. Jogou a fruta pela janela, ligou o carro e tentou se distrair com o transito, para não pensar em sua noite, mas aconteceu o contrário: atropelou o magrelo que atravessou correndo na frente do carro.
Agora, fora do carro e já mais centrado depois de gritar, Pedro reparou que o pelo de sua vítima parecia com o de Ramon. Se o patê que engordara seu gato tivesse sido dividido com o suicida desde que eles eram filhotes, sem dúvida se passariam por gêmeos.
Este último sinal, nem Pedro conseguiu ignorar. Mas fazendo uso das suas capacidades de ser idiota, conseguiu interpretar errado e decidiu que era hora de se livrar do Ramon real, e não do metafórico.
data: 22/05/2019 estilo: Contos › Cotidiano